Deputada bolsonarista apresenta projeto de lei contra o Drex

A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) apresentou um projeto de lei para proibir a extinção do papel-moeda em território nacional. Além disso, ele torna facultativa a adoção de uma moeda digital como o Drex.
O Projeto de Lei (PL) 3.341/2024 foi apresentado no final de agosto e encontra-se atualmente na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE) da Câmara dos Deputados.
O texto mira em qualquer versão de moeda emitida pelo Banco Central (CBDC, na sigla em inglês). No entanto, o único projeto do tipo em andamento no Brasil é justamente o do Drex.
Uma “vacina” contra CBDC
O projeto apresentado pela deputada bolsonarista inclui 7 artigos que têm como foco um suposto controle do Banco Central (BC). Também buscariam proteger a confidencialidade dos dados dos usuários.
Por exemplo, o artigo 3º prevê que, em caso de emissão de uma CBDC, ela:
“…não terá curso forçado a nenhum operador do Sistema Financeiro Nacional ou consumidor final, que terão a liberdade de escolha sobre os meios de pagamento a serem utilizados.”
Já o artigo 4º diz o seguinte:
“O BC não deverá ter acesso a transações, saldos, balanços e demais informações de contas privadas, exceto conforme a legislação vigente aplicável às transações em moeda convencional.”
Portanto, o objetivo da deputada parece ser se antecipar não apenas ao lançamento do Drex, mas também de outras moedas que o BC possa vir a lançar e/ou regular futuramente.
Afinal, ainda é incerto quais serão as aplicações futuras dessa e de outras CBDCs. Ou seja, os possíveis casos de uso são apenas suposições a partir de testes realizados no piloto do Drex, declarações de pessoas do mercado financeiro e, claro, anônimos da internet.
Apesar disso, não há previsão de que o consumidor final venha a ter um acesso direto ao Drex. Por exemplo, que as pessoas substituam, efetivamente, os reais “normais” por Drex.
O que deve ocorrer são casos de uso que incluem a liquidação de títulos, compra e venda de veículos e imóveis ou mesmo o recebimento de benefícios sociais. No entanto, tudo ocorreria por meio da intermediação de tokens pareados ao real (stablecoins). Eles funcionariam como um recibo do Drex e teriam custódia de bancos e outras instituições.
Deputada bolsonarista vê risco para papel-moeda
Entre outros perigos do “real digital”, Zanatta acredita que a falta de acesso a essa tecnologia poderia gerar a exclusão de parte da população. Segundo ela, o problema estaria em substituir o papel-moeda por algo a que nem todos teriam acesso:
“O papel-moeda é a forma física de dinheiro que permite a troca direta e voluntária de bens e serviços entre indivíduos (…) Ele é essencial para garantir a liberdade econômica, pois oferece um meio de pagamento acessível e confiável para todas as camadas da sociedade, incluindo aquelas que não têm acesso à tecnologia digital.
Segundo ela, os maiores afetados seriam os indivíduos que vivem em regiões mais afastadas, assim como os mais pobres:
O dinheiro físico é necessário para a realização de transações diárias, especialmente em regiões rurais e entre populações de baixa renda, que dependem dele para sua subsistência.”
Ao defender a aprovação do PL 3.341/2024, Zanatta criticou projetos do Partido dos Trabalhadores (PT) que iriam em direção contrária, segundo ela. Ou seja, na sua opinião, poderia levar à eliminação do papel-moeda.
Para a deputada, propostas nesse sentido seriam danosas à liberdade e à privacidade dos brasileiros:
“É crucial que o Brasil mantenha o papel-moeda como uma forma de proteger a liberdade e a privacidade financeira dos seus cidadãos, garantindo que qualquer transição para uma moeda digital ocorra de maneira equilibrada e democrática.”
Temor de controle estatal
O outro foco de Júlia Zanatta é justamente o que ela vê como um risco acentuado de aumento do controle estatal por meio da blockchain.
Essa visão tem como base o conceito de programabilidade de casos de uso, latente à tecnologia que se pretende aplicar ao Drex. Afinal, ele permitiria rastrear o uso de tokens, sejam eles o Drex ou stablecoins específicas.
Para Zanatta, isso poderia levar a um controle da vida financeira dos brasileiros:
“O real digital permite um monitoramento extensivo das transações financeiras dos cidadãos, possibilitando ao governo um nível de controle sem precedentes sobre a vida financeira de cada indivíduo.”
A deputada foi além, afirmando que o governo poderia até mesmo perseguir opositores por meio dessa moeda:
“Isso poderia levar ao ‘cancelamento financeiro’ de opositores políticos e críticos do governo, bloqueando suas contas e limitando seu acesso a recursos essenciais. A implementação compulsória e a falta de clareza sobre a segurança do sistema digital aumentam esses riscos.”
Teorias da conspiração tomaram a internet
O projeto de lei e as ideias que Zanatta levou para discussão na Câmara dos Deputados não surgiram do nada. Pelo contrário, há algumas semanas, o Drex vem sendo alvo de discussões em redes sociais, principalmente entre os bolsonaristas.
Isso ganhou fôlego após a divulgação de um vídeo com falas de Eric Altafim, diretor de Produtos e Vendas Corporativas do Itaú Unibanco. Afinal, em participação em um seminário sobre o Plano Real em agosto, ele afirmou que uma CBDC pode servir para fins de controle estatal.
A íntegra do vídeo está disponível no YouTube:
No entanto, o que circulou na internet foi, principalmente, um vídeo com recortes da fala de Altafim, que dá um tom mais dramático ao que ele diz.
Segundo o diretor do Itaú, a programabilidade prevista no Drex e em outras CBDCs pode limitar as maneiras como os usuários conseguem gastar seu próprio dinheiro.
“No futuro, você pode pensar num pagamento de Bolsa Família, por exemplo, que só permite a compra de comida. Ou se a gente tivesse o Drex na pandemia, você só poderia fazer compras em um raio de cinco quilômetros da sua casa.”
Além disso, a rastreabilidade do “real digital” poderia ser usada para combater a evasão fiscal. Por exemplo, o governo poderia obrigar os lojistas a receber pagamentos via Drex, como explica o executivo:
“Se você usa um dinheiro programável como no caso do Bolsa Família, quem faz compras naquela lojinha que só aceita dinheiro, e provavelmente está praticando evasão fiscal, vai ter que aceitar o Drex.”
CBDCs enfrentam desafios dentro e fora do Brasil
O projeto do Drex entrou em sua segunda fase de testes, recentemente. Durante essa etapa do piloto do “real digital”, os consórcios participantes poderão testar diferentes soluções e serviços para a blockchain que o BC está desenvolvendo.
A privacidade é uma questão importante e vem atrasando o cronograma do Drex. Afinal, a transparência é uma das marcas e diferenciais de uma blockchain. Mas essa característica entra em atrito com as leis de sigilo fiscal brasileiras, por exemplo.
Aliás, projetos semelhantes enfrentam problemas em outros países. Atualmente, há pelo menos 44 projetos na fase-piloto. Mas nem todos devem avançar.
Há alguma certa frustração quanto às aplicações dessas moedas, que podem acabar ficando aquém do esperado. Uma das razões seria a resistência dos consumidores, presos a velhos hábitos. Essa é uma das explicações para as CBDCs terem tido pouco alcance em países como Nigéria, Bahamas e Jamaica, que já lançaram suas moedas.
Além disso, em países nos quais ainda não há CBDCs no mercado, os bancos centrais vêm questionando se há uma demanda verdadeira para elas no varejo. Por exemplo, a Austrália e o Canadá já desistiram de lançar suas próprias moedas digitais.

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