Real digital – Diretor do Itaú vê risco de controle estatal com Drex

Desde seu anúncio pelo Banco Central (BC), o projeto do Drex vem sendo tratado como um símbolo da importância que a tecnologia blockchain adquiriu no Brasil.
Afinal, o “real digital” é uma moeda digital de banco central (CBDC, na sigla em inglês). Ou seja, trata-se de uma versão virtual do real, com as mesmas garantias e a segurança da moeda tradicional.
No entanto, nem todos parecem ter o mesmo otimismo sobre o que o Drex pode representar para o futuro do dinheiro. E isso ficou claro em uma declaração recente de Eric Altafim, diretor de Produtos e Vendas Corporativas do Itaú Unibanco.
Durante participação no seminário “Plano Real – A moeda que mudou o Brasil” em agosto, em São Paulo, Altafim afirmou que uma CBDC pode acabar servindo para fins de controle estatal.
O evento ocorreu há mais de um mês. No entanto, as falas do executivo começaram a repercutir agora, graças a recortes que passaram a circular em redes sociais.
É possível conferir a íntegra do vídeo no YouTube. Ele faz parte de um documentário em série com o nome “O Brasil depois do Real”.
Drex poderia limitar o uso do dinheiro, segundo executivo
O vídeo com trechos das falas de Altafim vem causando comoção na comunidade cripto brasileira porque destaca possíveis entraves à liberdade financeira.
Afinal, segundo o diretor do Itaú, a programabilidade que caracteriza o Drex pode se tornar uma forma de controlar as maneiras como usuários poderão gastar seu próprio dinheiro.
Em princípio, a capacidade de rastreabilidade do “real digital” poderia ser usada pelo governo para combater a evasão fiscal. Por exemplo, ele poderia obrigar os lojistas a receber pagamentos via Drex, como explica o executivo:
“Se você usa um dinheiro programável como no caso do Bolsa Família, quem faz compras naquela lojinha que só aceita dinheiro, e provavelmente está praticando evasão fiscal, vai ter que aceitar o Drex.”
Por outro lado, a mesma tecnologia poderia servir como forma de monitorar e, no limite, controlar os gastos das pessoas:
“No futuro, você pode pensar num pagamento de Bolsa Família, por exemplo, que só permite a compra de comida. Ou se a gente tivesse o Drex na pandemia, você só poderia fazer compras em um raio de cinco quilômetros da sua casa.”
Programabilidade do dinheiro é a principal inovação
Apesar da polêmica em torno das falas de Altafim, a sua participação no seminário teve como foco principal abordar a maneira como o Drex pode revolucionar os pagamentos no Brasil.
Segundo ele, o ponto mais importante é a programabilidade do dinheiro que o Drex introduz por meio de contratos inteligentes. Afinal, o Pix já teria resolvido boa parte da equação ao servir como um sistema de pagamentos instantâneo plenamente operacional.
Por outro lado, a capacidade de realizar pagamentos transfronteiriços dependeria de uma adoção mais ampla de CBDCs em outros países. Aliás, os EUA seriam o elo mais importante para que essa possibilidade se tornasse real, devido à emissão do dólar.
“Os pagamentos transfronteiriços, eu tenho muitas dúvidas de que o Drex vai resolver de fato, pois a gente precisaria ter uma CBDC do dólar, um dólar digital (…) Sem isso, quando você não consegue trocar essa moeda, o sistema fica muito comprometido.”
Em um cenário no qual até mesmo o “Pix internacional” parece um sonho distante (apesar de estar em estudo pelo BC), a integração de diversos CBDCs beira o inalcançável.
Apesar disso, o projeto aponta para outras direções importantes, com repercussões sobre o mercado de tokens. Por exemplo, segundo Altafim, o Drex deverá facilitar o acesso de usuários aos ativos digitais tokenizados. Afinal, como ele diz:
“Para comprar um ativo digital, você precisa tokenizar o seu dinheiro primeiro.”
Por enquanto, a única forma de fazer isso é por meio de stablecoins, que são ativos digitais sem regulação, com lastro em moedas fiat. Como Altafim explica, isso indica como o Drex poderia ser útil em transações on-chain:
“O Drex, nada mais é do que uma stablecoin pareada na proporção de 1:1 com o real, só que emitida pelo Banco Central.”
Febraban vê bancos em posição privilegiada
Na semana passada, a Febraban divulgou um relatório em que destaca o potencial das criptomoedas e da tokenização de ativos do mundo real (RWA).
Além disso, no documento, produzido em parceria com a empresa de consultoria Accenture, a entidade defendeu que os bancos deveriam liderar esse mercado. Afinal, estariam em uma posição privilegiada para liderar a revolução digital com essas novas tecnologias.
Entre os fatores que contribuem para essa posição, segundo o relatório, estão sua reputação já estabelecida, a infraestrutura robusta de que dispõem e a confiança conquistada junto aos consumidores.
Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou no sábado (21) o documento “Estratégias inclusivas de adoção de moedas digitais de bancos centrais para intermediários e usuários”. Portanto, o objetivo do órgão seria justamente impulsionar a adoção de CBDCs pelos países.
Segundo o site Atlantic Council, que compila dados sobre a adoção de CBDCs a nível global, apenas três países lançaram moedas digitais próprias até o momento: Nigéria, Jamaica e Bahamas.
No entanto, a plataforma também indica que 44 países estão em fase de testes de CBDCs. Além disso, há 20 projetos em desenvolvimento e outros 39 na etapa de pesquisa. Portanto, a tendência é que o clube de nações com CBDCs ganhe novos membros nos próximos anos.
Drex pode ficar para 2026
O cronograma do projeto do Drex está atrasado, no momento. Por isso, a expectativa é de que ele só seja lançado em 2026. Originalmente, a previsão era de que o lançamento da plataforma ocorresse em 2024. No entanto, segundo informações do BC, os testes não apresentaram resultados satisfatórios na primeira fase do piloto.
Os pontos fracos estão no cumprimento de requisitos jurídicos de segurança cujo objetivo é proteger os dados dos usuários. O BC enfrenta dificuldades para equilibrar a potencialidade de uma blockchain com a necessidade de resguardar o sigilo das transações.
Uma vez que a plataforma do Drex funcionaria na blockchain, a transparência das transações e a visibilidade das carteiras se tornariam pilares do sistema. No entanto, isso entraria em conflito com os princípios de sigilo fiscal e bancário do ordenamento jurídico brasileiro.
Apesar das dificuldades, o Banco Central segue confiante na viabilidade do projeto e já iniciou novos testes com os consórcios de empresas participantes. No início do mês, o BC divulgou as propostas de casos de uso que farão parte da segunda fase do piloto.
Os testes irão ocorrer até o fim do primeiro semestre de 2025, o que indica que o lançamento do Drex deverá realmente ficar para o ano seguinte.

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