Por que é melhor para o Bitcoin manter o anonimato de Satoshi
Após recente documentário da HBO dizer que o desenvolvedor Peter Todd era Satoshi Nakamoto, um homem chamado Stephen Mollah se apresentou como o verdadeiro criador do Bitcoin. O fato levantou novas controvérsias sobre o tema, gerando questionamentos sobre a importância (ou não) de conhecer a real identidade dele.
A declaração de Mollah ocorreu em recente evento em Londres, irritando repórteres e levando Bitcoiners a provar que não era o caso. Isso porque a única pessoa que pode mover o primeiro BTC criado é o verdadeiro Satoshi. E Mollah falhou nesse desafio.
Courage Kimber, nômade digital e comentarista sobre o setor cripto, destacou que o Bitcoin se mostrou confiável e resistente à prova do tempo, tanto como moeda quando rede. Em seus 15 anos de operação, o BTC só ficou indisponível duas vezes – o que não se pode dizer de outras blockchains rivais.
De acordo com Kimber, é melhor continuar sem saber quem é o inventor da criptomoeda. “Quando um projeto é muito associado ao seu fundador, geralmente falha, porque não consegue existir por si só, sem estar atrelado a uma grande persona”, argumentou.
Satoshi Nakamoto desapareceu em 2010, quando, de repente, parou de postar em um fórum online para cypherpunks. O último e-mail do inventor do Bitcoin no fórum teria sido enviado em abril de 2011, dizendo: “Estou migrando para outras coisas”.
Anonimato favorece descentralização
Desde então, vários nomes foram sugeridos como potenciais Nakamotos, incluindo Nick Szabo, Hal Finney e Dorian Nakamoto. Todos sem sucesso.
A última tentativa partiu do documentário da HBO “Money Electric: The Bitcoin Mystery”, dirigido por Cullen Hoback, que nomeava Peter Todd como Satoshi. Porém, o próprio Todd afirmou que não era Nakamoto e se disse chocado com as conclusões de Hoback.
Similarmente, Stephen Mollah, autodeclarado criador do BTC, foi largamente criticado. Pesquisadores da exchange cripto BitMEX disseram que a afirmação não fazia o menor sentido.
Comunidade no comando
Yuriy Brisov, sócio da empresa de advocacia Digital & Analogue Partners, no Reino Unido, disse que uma das maiores razões para Satoshi continuar anônimo é a proteção da natureza descentralizada do Bitcoin.
Segundo Brisov, ao separar ele próprio do Bitcoin, Nakamoto assegurou que não haveria nenhuma figura central “no coração” da blockchain. Evitando, dessa forma, que alguém tivesse poder demais sobre o desenvolvimento do Bitcoin.
“A falta de um proprietário ou de um líder definido permite ao Bitcoin crescer organicamente, ser ‘esculpido’ pelas mãos da sua comunidade, em vez de se submeter a influência ou visão de alguém”, argumentou Brisov.
Além disso, ele afirmou que o anonimato do criador do Bitcoin protege essa pessoa de potenciais responsabilidades legais, financeiras ou pessoais. Desse modo, permite que a comunidade se concentre na tecnologia, e não no indivíduo por trás da tecnologia.
Brisov ressaltou, também, que o anonimato ajuda Nakamoto a evitar o escrutínio do governo, bem como o risco de assédio das pessoas por conta dos BTC que ele possuiu.
Satoshi é dono de 1,1 milhão de Bitcoins, atualmente avaliados em US$ 84 bilhões. Ou seja, ele é uma das pessoas mais ricas do mundo. Diante disso, Peter Todd afirmou que chegou a temer por sua vida, depois da atenção que ganhou por conta do documentário da HBO.
Adoção institucional do Bitcoin muda o cenário
De acordo com especialistas do setor cripto, a adoção do Bitcoin por instituições financeiras mainstream, a exemplo da BlackRock e da Franklin Templeton, sugerem que a identidade de Satoshi já não é tão importante.
No passado, havia receios de que a revelação da identidade de Satoshi e a movimentação de fundos da carteira dele poderiam resultar em pânico e venda do BTC. O que poderia acabar levando ao seu fim.
No entanto, na medida em que grandes instituições acumulam grandes posições em ETFs de Bitcoin, essas preocupações vão desaparecendo.
Dados da Farside Investors mostram que ETFs à vista de Bitcoin arrecadaram mais de US$ 1,37 bilhões em entradas apenas no dia 7 de novembro. Com isso, levaram o total de holdings de Bitcoin para mais de 1 milhão (quase a mesma quantidade de Satoshi).
De acordo com dados do Sosovalue, investidores injetaram US$ 24,12 bilhões em ETFs desde que foram lançados, em janeiro deste ano. Eric Balchunas, analista sênior de ETFs na Bloomberg, estimou que, no ritmo atual, esses produtos podem ultrapassar o volume de ativos de Satoshi em menos de duas semanas.
Influência de Wall Street ofusca busca por identidade de Satoshi
Analistas afirma que o crescimento envolvimento institucional pode fazer com que a influência de Wall Street nos mercados de Bitcoin ofusque quaisquer medos sobre potenciais atitudes de um Nakamoto exposto ao mercado.
O Bitcoin não teria passado de US$ 76 mil se as pessoas se importassem com a identidade de Satoshi”, afirmou Courage Kimber. Haichao Zhu, cofundador e CEO da Rooch Network, compartilha o mesmo pensamento.
“Minha crença no Bitcoin se baseia no fato de que nenhuma entidade central pode influenciar a adoção ou o design fundamental do Bitcoin”, afirmou Zhu. “Não acho que nenhuma especulação sobre a verdadeira identidade de Nakamoto vá impactar os investidores do Bitcoin, pois a maioria deles, antes de investir, segue o mantra: ‘não confie, verifique'”.
“Que bom que Satoshi continua desconhecido”
No que diz respeito a pessoas como Mollah, o desconhecido homem de negócios britânico que declarou ser Satoshi sem nenhuma evidência, Brisov acredita que ele está jogando um jogo perigoso.
“Em primeiro lugar, aqueles que fornecem informações falsas podem ser processados por fraude, principalmente se tentam ganhar benefícios com isso”, afirmou Brisov. “Em seguida, isso pode ser visto como desacato à corte ou perjúrio”.
O cientista da computação Craig Wright disse que era o fundador do Bitcoin por vários anos. Mas depois de Wright não conseguir provas para sustentar sua afirmação, a corte judicial de Londres determinou que ele não era Satoshi.
Brisov disse, ainda, que as tentativas de revelar a identidade real de Nakamoto não passam de esforços para monetizar o mistério.
Por exemplo, Mollah cobrou cerca de US$ 649 dos jornalistas para participar da sua conferência de imprensa, segundo a BBC. Os repórteres se recusaram a pagar, mas participaram do encontro. É irônico, portanto, que alguém que se diz Satoshi, com US$ 84 bilhões em Bitcoin, tente extrair alguns dólares de uma dúzia de jornalistas.
Similarmente, o documentário da HBO teria gerado muito dinheiro na medida em que as pessoas fizeram assinaturas em massa para assistir o filme.
O apelo do Bitcoin, portanto, não viria do fato de sabermos quem é Satoshi, mas da descentralização, segurança e transparência que a criptomoeda oferece.
Para entusiastas cripto como Adam Back, CEO da Blockstream (e ele mesmo considerado um suposto Satoshi), Nakamoto deve continuar nas sombras, para o bem do Bitcoin. “Ninguém sabe quem Satoshi é, e isso é uma coisa boa”, postou Back no X, quando o documentário de Hoback dominou as discussões nas redes sociais.
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